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Foto do escritorSandra Bonito

Microbioma e Saúde Mental: A Ligação Intestino-Cérebro

O estudo do microbioma e a relação com a saúde humana tem revelado uma ligação surpreendente e profundamente influente entre o intestino e o cérebro, conhecida como "eixo intestino-cérebro".

Este conceito sugere que a saúde mental, o humor, o comportamento e até mesmo algumas doenças neurológicas podem ser diretamente influenciados pelo estado de saúde do intestino, particularmente pela composição do microbioma — o vasto ecossistema de trilhões de microrganismos que habitam o trato digestivo.



Nos últimos anos, as pesquisas têm destacado a importância deste eixo e o impacto de uma microbiota saudável sobre a saúde mental, trazendo novas abordagens para o tratamento de condições como depressão, ansiedade e doenças neurodegenerativas.


Como o microbioma intestinal influência o cérebro, os mecanismos subjacentes?

Quais as evidências científicas recentes e as possibilidades de tratamento?


O Eixo Intestino-Cérebro: A Comunicação Bidirecional


O eixo intestino-cérebro é uma via de comunicação bidirecional que interliga o sistema nervoso central, o sistema imunológico, o sistema endócrino e o sistema nervoso entérico (localizado no intestino), promovendo uma interação contínua entre o cérebro e o intestino. Essa comunicação ocorre por diferentes vias:


1. Nervo Vago: O nervo vago é uma das principais vias de comunicação entre o intestino e o cérebro. Ele transmite informações sensoriais diretamente do trato digestivo para o cérebro, regulando funções como digestão, saciedade e, surpreendentemente, o estado emocional.


2. Sistema Imunológico: O intestino desempenha um papel fundamental na regulação do sistema imunológico. Uma microbiota desequilibrada pode causar inflamação sistémica, e essa inflamação pode, por sua vez, afetar o cérebro, contribuindo para o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, como depressão.


3. Produção de Neurotransmissores: O intestino é responsável pela produção de neurotransmissores cruciais para o funcionamento cerebral, como a serotonina, dopamina e ácido gama-aminobutírico (GABA), substâncias químicas que afetam diretamente o humor, o comportamento e a cognição. Curiosamente, cerca de 90% da serotonina do corpo é produzida no intestino, destacando a importância deste órgão na regulação do bem-estar emocional.


4. Metabólitos Bacterianos: As bactérias intestinais produzem metabólitos, como os ácidos gordos de cadeia curta (AGCC), que podem passar a barreira hematoencefálica e influenciar diretamente o cérebro. Os AGCC têm propriedades anti-inflamatórias e neuroprotetoras, ajudando a manter a função cerebral saudável.


Essas interações mostram que o intestino não é apenas um órgão digestivo, mas também desempenha um papel ativo na manutenção da saúde mental.


A Composição do Microbioma e Seu Impacto no Humor e Comportamento


O microbioma é composto por trilhões de microrganismos, incluindo bactérias, vírus e fungos, que vivem em simbiose com o corpo humano.

A composição da microbiota varia de indivíduo para indivíduo, mas um microbioma saudável é caracterizado por diversidade, com um equilíbrio entre espécies benéficas e potenciais patógenos.

Quando esse equilíbrio é perturbado, ocorre a chamada "disbiose", surgindo consequências, não apenas para a saúde física, mas também, para a saúde mental.

Um número crescente de estudos demonstra a correlação entre a disbiose intestinal e distúrbios como depressão, ansiedade e doenças neurodegenerativas.



1. Microbioma e Depressão


A depressão é um dos transtornos mentais mais comuns no mundo, motivo pelo qual se tenta entender o papel da microbiota na sua etiologia.

A disbiose intestinal tem sido identificada em pessoas com depressão, com redução significativa de bactérias benéficas, como Lactobacillus e Bifidobacterium.


Um estudo publicado na "Nature Microbiology" demostrou que pessoas com níveis mais elevados de certos tipos de bactérias, como Faecalibacterium e Coprococcus, apresentaram menores índices de depressão e melhor qualidade de vida.

Por outro lado, indivíduos com depressão severa tinham níveis mais baixos dessas bactérias anti-inflamatórias.


- Inflamação e Depressão: Um dos mecanismos propostos para explicar essa relação é o aumento da permeabilidade intestinal, que permite que toxinas bacterianas, como o lipopolissacarídeo (LPS), entrem na corrente sanguínea. Desencadeando uma resposta inflamatória sistémica, incluindo no cérebro, associado ao desenvolvimento de sintomas depressivos.


2. Microbioma e Ansiedade


A ansiedade é outro transtorno mental que pode ser influenciado pela composição do microbioma intestinal. Estudos indicam que o stress crónico pode perturbar o equilíbrio da microbiota, o que, por sua vez, exacerba os sintomas de ansiedade.

Essa relação tem sido observada tanto em humanos quanto em modelos animais.


Pesquisas com camundongos criados em ambientes estéreis, ou "germ-free", demostraram que esses animais apresentam comportamentos mais ansiosos em comparação com camundongos com microbiota intestinal saudável.

Quando sua microbiota foi restaurada, o comportamento ansioso diminuiu, sugerindo que a microbiota desempenha um papel crucial na regulação da resposta ao stress.


- Probióticos Ansiolíticos: Certas especies de probióticos, como Lactobacillus rhamnosus e Bifidobacterium longum, têm demostrado efeitos ansiolíticos, ou seja, podem reduzir os sintomas de ansiedade. Esses probióticos parecem modular o eixo intestino-cérebro, promovendo a produção de neurotransmissores e a regulação da resposta ao stress.



3. Microbioma e Doenças Neurodegenerativas


Doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer e o Parkinson, também tem sido estudadas em relação ao microbioma. Alterações no microbioma podem estar associadas à progressão dessas doenças, principalmente por meio de mecanismos inflamatórios.


- Doença de Alzheimer: Pacientes com Alzheimer apresentam sinais de inflamação intestinal e disbiose, e há evidências de que a permeabilidade intestinal possa exacerbar a neurodegeneração. A inflamação crónica causada por alterações no microbioma pode acelerar a acumulaão de placas beta-amiloides no cérebro, característica da doença.


- Parkinson: Alterações no intestino, como obstipação e inflamação, precedem os sintomas motores do Parkinson. Estudos indicam que certas bactérias intestinais podem contribuir para a acumulação de alfa-sinucleína, uma proteína que desempenha um papel importante na degeneração neuronal em pacientes com Parkinson.



Tratamento da Saúde Mental via Modulação do Microbioma


Compreender a relação entre o microbioma e a saúde mental abriu novas possibilidades de tratamento para transtornos psicológicos. O controlo da microbioma pode ser uma abordagem eficaz para melhorar o humor, reduzir o stress e tratar condições psiquiátricas e neurodegenerativas.


1. Probióticos

Os probióticos são bactérias benéficas que, quando ingeridas, podem restaurar o equilíbrio da microbiota intestinal. Estudos clínicos demostram que os probióticos podem ter efeitos promissores no tratamento de distúrbios do humor, como depressão e ansiedade.


Estudos realizados, com adultos diagnosticados com depressão leve a moderada, ao usarem probióticos contendo as espécies Lactobacillus e Bifidobacterium resultou numa redução significativa dos sintomas depressivos e de ansiedade após oito semanas de tratamento. Os participantes também, relataram melhor qualidade de sono, um fator crítico na regulação do humor.


2. Prébióticos

Os prébióticos são compostos alimentares não digeríveis que alimentam as bactérias benéficas no intestino. Eles ajudam a promover uma microbiota saudável, que, por sua vez, pode melhorar a saúde mental.


- Prebióticos e stress: Estudos sugerem que dietas ricas em prébióticos, como fibras alimentares, podem reduzir a produção de cortisol e melhorar a resposta do organismo a situações stressantes. Isso pode ajudar a prevenir sintomas de ansiedade e depressão.



3. Mudanças na Dieta

Uma dieta rica em fibras, frutas, vegetais e alimentos fermentados pode ter um impacto profundo na composição do microbioma intestinal.

O consumo regular de alimentos fermentados, como iogurte, kefir, chucrute e kimchi, pode promover a proliferação de bactérias benéficas e melhorar a saúde mental.


- Dieta e Depressão: Um estudo que a dieta mediterrânea (rica em vegetais, grãos integrais, peixe e azeite de oliva) mostrou que está associada a menores taxas de depressão.

A diversidade de fibras e os alimentos ricos em ácidos gordos - ómega-3 incluido nessa dieta promovem uma microbiota intestinal saudável, o que pode melhorar o humor e reduzir os níveis de inflamação sistémica.



A ligação entre o microbioma intestinal e a saúde mental é uma das áreas mais promissoras da medicina contemporânea. A comunicação bidirecional entre o intestino e o cérebro, mediada pelo nervo vago, pelo sistema imunológico e pelos neurotransmissores, oferece uma nova compreensão de como transtornos mentais podem ser causados ou exacerbados por problemas intestinais.


Modular o microbioma por meio de probióticos, prebióticos e dieta pode abrir novos caminhos para o tratamento de depressão, ansiedade e doenças neurodegenerativas.

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